Em Ti Mais que Tu …elucubrações
Eu te amo,
Mas, porque inexplicavelmente
Amo em ti algo
mais do que tu –
o objeto a minúsculo,
Eu te mutilo.
Esse é um poema, talvez possa ser chamado de “poema”, ou quem sabe poderíamos chamá-lo de um “texto-sem-sentido”, ou somente um texto que simplesmente nos atravessa com os seus enigmas. Com esse texto Lacan conclui o Seminário 11 sobre os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise. Ele mesmo afirma que, na prática da vida, estamos presos à alienação fundamental que termina por sustentar tudo o que cremos, ou seja, nossas decisões sempre terminam pautadas no modo como estamos alienados ao desejo do Outro.
Psicanálise não é fácil mesmo, mas o que nos chama atenção é o fato de como esses textos, de certo modo nos provocam e nos colocam na estrada para trilhar rumando ao desconhecido. Se o texto nos causa algo, seja o que for, ele já cumpriu o seu papel e agora depende de nós tomar as decisões a que nos propomos.
Em verdade, o que acontece mesmo é que temos receio, algo nos impede de tomar decisões porque nos encontramos alienados à opinião dos outros. A palavra “opinião” na língua grega é “doxa”, que quer dizer em sua raiz, “engano”, “engodo”. Mais precisamente, “doxa” é um sistema ou conjunto de juízos que uma sociedade elabora em um determinado momento histórico supondo tratar-se de uma verdade óbvia ou evidência natural, mas que para a filosofia não passa de crença ingênua, a ser superada para a obtenção do verdadeiro conhecimento.
Esse – “Eu te mutilo” – do “poema-texto” poderia até ser dito: “Eu me mutilo”. Me mutilo por não ser livre e mais ainda, por não buscar esse conhecimento que poderia me tornar capaz de escolher a via por onde trilhar a minha própria história e, abandonar esse fardo de ter que sempre decidir a partir da “opinião” dos outros, mas escolher a partir do meu “saber” construído sobre a vida. Então é preciso iniciar, afinal, sabemos que uma longa caminhada se inicia com o primeiro passo.
Osni Dos Anjos.