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Os caminhos de um cientista

Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. Quem escreve é Marco A. Zanata Alves, cientista da computação e professor da UFPR

Em 1984 nascia, no interior de São Paulo, um garoto de uma família de classe média, para a qual a Universidade Estadual Paulista (UNESP) não passava de um local que fornecia água mineral de graça.

O garoto cresce e, trabalhando com informática de dia, estuda à noite. Certo dia, a professora de matemática do último ano do ensino médio explica à classe que, mesmo sem dinheiro para prosseguir os estudos, aqueles que assim o desejassem poderiam ter acesso à educação superior por meio das universidades públicas. (Uma consideração: uma breve conversa em meio à agitação dos alunos plantou a semente capaz de mudar uma vida). Além das bicas de água pura, a universidade poderia oferecer ao jovem a chance de se dedicar aos estudos integralmente e perseguir seu sonho de ensinar e pesquisar.

Após dois anos de licenciatura em matemática, outro mestre transforma a vida do rapaz, fazendo-o enxergar que sua vocação é outra: a ciência da computação. Quando se forma, ainda que já tenha algumas ofertas de emprego, ele se inscreve em diversos programas de pós-graduação e acaba indo para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde irá desenvolver uma pesquisa voltada para processadores. (Uma explicação: no Brasil, é uma área considerada como ciência básica, pois suas pesquisas não serão vistas pela sociedade, pelo menos não diretamente. O aprimoramento de processador só será notado se uma indústria adotar a técnica nova.)

Com bastante frio mas de coração aquecido, em 2006 o pós-graduando inicia seu mestrado na capital gaúcha, depois do qual faz o doutorado. A vida de um aluno de mestrado ou doutorado exige muita dedicação, são horas de leitura e elaboração de artigos, dias pensando e testando hipóteses. Não é fácil para quem depende de uma bolsa do governo, que teve seu valor atualizado pela última vez em 2013. (Uma reflexão: a jornada de um cientista é longa, requer um fluxo de nutrientes que exigem um tempo até que se criem raízes e se desenvolva um tronco forte, apto a frutificar.)

No final do doutorado, o pesquisador se vê diante de uma encruzilhada: lecionar em universidades particulares ou investir mais tempo e dedicação para pleitear um posto de professor e pesquisador em uma universidade pública. Tendo feito dois anos de pós-doutorado na UFRGS, em 2016 ele passa num concurso e ingressa na Universidade Federal do Paraná, na capital do estado, como professor e pesquisador. 

Com essa mudança, o recém-professor começa a se dividir entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Acostumado a pesquisar no âmbito de grupos já consolidados, seu desafio agora é conseguir recursos para seguir desenvolvendo suas próprias pesquisas, contribuindo com a formação de novos alunos. 

Muitos pesquisadores são levados a se afastar de seus projetos nesse momento, pois, se os recursos já são escassos de modo geral, eles praticamente inexistem para dar respaldo à pesquisa de jovens cientistas. Outros migram para centros de pesquisa no exterior, com a esperança de um dia voltar a fazer ciência em seu país natal. Quando um pesquisador migra ou reduz seu ritmo de pesquisa, é como se anos de investimento público fossem desperdiçados. Faz sentido cortar uma árvore logo quando ela começa a dar frutos? 

O jovem pesquisador, porém, encontrou um desfecho diferente para a sua formação. Após enviar diversos projetos a variados órgãos de fomento, em 2018 ele recebeu um apoio de 100 mil reais para dar prosseguimento a sua pesquisa e, no ano seguinte, é agraciado com novo aporte, dessa vez no valor de 1 milhão de reais. Dinheiro privado, vindo do Instituto Serrapilheira. Destinado a uma pesquisa de base, ou seja, sem retorno direto visível. 

O valor recebido será integralmente usado para formar futuros pesquisadores. O jovem pesquisador consegue assim apoiar outros cientistas em desenvolvimento, criando uma rede de jovens que serão os futuros pesquisadores da universidade e da indústria.

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